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AMENORREIA, MENSTRUAÇÃO E EXERCÍCIO FÍSICO

Bem, este foi um dos temas mais pedidos por vocês e como tal, poderão ter acesso a ele. Foi feito um estudo intensivo com várias fontes e explorando todas as hipóteses e afirmações que são feitas em relação a este tema. Não quero de todo criar um artigo tendencioso que fundamente a minha perspetiva, mas sim cobrir todos os ângulos e desta forma permitir ao leitor pensar por si mesmo. O ponto com o qual me deparei logo de início é que quase todas as afirmações que são feitas a respeito do tema, podem ser facilmente refutadas, dando a este tema uma frágil estrutura de conhecimento, quando associado ao nosso mundo (fitness).





DOLETE: Estou com a menstruação, devo alterar alguma coisa no meu treino ou dieta?

Não, deves procurar manter tudo como está, e nestes dias não valerá a pena enviar update, deixa passar 1 semana. Não alteras absolutamente nada. Poderá haver retenção de líquidos associada, mais cansaço/menos resitência e mais apetite.

A Dolete que quer ter uma cinta esbelta, inicia a sua dieta. A determinado ponto do seu percurso repara que a sua menstruação não é mais uma realidade, apesar de sentir de igual forma a TPM e os efeitos da mesma no seu apetite, no seu humor e na sua forma de encarar a vida. O mundo de repente virou-se conta ela, é tudo injusto e tudo o que a Dolete queria era comer chocolate sem engordar. Então anda ela a esforçar-se tanto para ter uma imagem bonita e saudável, e agora fica sem menstruação?

"Que se passa? Estou doente? Nunca mais vou ter menstruação? Isto que estou a fazer está errado. "Vou comer mas é chocolate! Pois não quero estragar a minha saúde e vi numa publicação que quando isto acontece é porque não estou a fazer as coisas bem."

O efeito do exercício físico e da nutrição nas mulheres tornou-se um tema muito importante dada a sua influência na fisiologia reprodutiva e metabólica das mesmas. Muitas mulheres fisioculturistas estão já familiarizadas com as irregularidades nos seus ciclos menstruais. Outras, notam estas mesmas alterações quando há uma alteração nas suas rotinas de vida diária, em particular quando há alterações nos hábitos alimentares e de prática de exercício físico. São vários os estudos que relatam a associação entre irregularidades menstruais e a prática desportiva, como natação, ténis, ginástica artística, atletismo e musculação. De entre as alterações menstruais mais frequentes, surge a ausência de menstruação, ou seja, a amenorreia.

Ora, quando tentamos analisar a literatura um dos problemas surge logo na própria definição de amenorreia. Há dois tipos de amenorreia, a primária e a secundária. A primária é a ausência de menstruação até aos 16 anos ou 2 anos após o início da puberdade. Já a secundária é a cessação das menstruações após o seu início. O que parece ser mais consensual é que a amenorreia secundária traduz a ausência de menstruação por um período superior a 3 meses ou mais de 3 ciclos típicos.


De entre as causas típicas de amenorreia, de uma forma geral, encontramos:


· Gestação

· Atraso constitucional da puberdade

· Disfunção do hipotálamo, decorrente de treino em excesso, restrição alimentares ou stress

· percentual de gordura baixo

· Uso ou abuso de anabolizantes

· situações patológicas não relacionadas com exercício: disfunção tiroideia, ovário poliquístico, insuficiência ovárica entre outras.


Mas, quando destas causas descritas verificamos o exercício físico em excesso, ressalve-se que os estudos não são consensuais para demonstrar esta afirmação. E, sejamos honestos, o que é o conceito de exagerado no que toca a exercício físico? Como se estabelece o limiar? Esse limiar é suposto modificar-se fruto da adaptação ao treino. Considero mais racional falarmos antes de um desajuste do treino ao resto dos fatores.

Um outro mecanismo proposto para a amenorreia, muito popular no mundo do desporto, é a baixa gordura corporal. Sabemos que quando a mulher tem um percentual de gordura baixo, a capacidade de produzir estrogénio fica limitada, pois tal acontece em grande parte no tecido adiposo. Portanto seria algo expectável, ou seja, “normal” num processo de perda de massa gorda. Já no sentido estritamente médico, a amenorreia obriga a um estudo no sentido de aferir a sua causa.

É talvez aqui que um pouco de conhecimento de fisiologia humana se revela extraordinariamente importante. Equivale isto a dizer que, apesar de uma baixa gordura corporal ser de facto associada a amenorreia e outras irregularidades do ciclo menstruais, o percentual de gordura em que isso acontece é muito variável e não há nenhum consenso fidedigno. Não há um nível crítico de gordura corporal necessária para a manutenção de ciclos regulares. Digamos que é variável de mulher para mulher. Deste modo, atletas com gordura corporal adequada podem ter irregularidades menstruais, bem como atletas muito magras podem não sofrer de amenorreia. O que parece ser mais crítico que a quantidade absoluta de gordura corporal, é a taxa de perda de massa corporal e para este cálculo temos de considerar para além da gordura corporal a massa magra.

Dolete: Significa então que vou ficar para sempre sem menstruação ou é reversível? Tenho que ter sempre um percentual de gordura alto para menstruar?

A amenorreia é cerca de 20 vezes mais frequente em atletas do sexo feminino comparando com a população geral. De todos os anos que levo a orientar meninas, após a fase de corte terminar e assim que se começa a comer mais, a menstruação volta. Em alguns casos excecionais demora mais tempo, especialmente se isto for algo que deixa a mulher nervosa/desconfortável. Esse stress vai acabar por atrasar esse retorno. É um facto que há medicação que pode ser prescrita pelo médico, no sentido de estimular a ovulação. Outras estratégias clínicas podem passar por se usar uma pílula contracetiva para regularizar o ciclo menstrual. Na verdade, estas seriam estratégias a adotar como último recurso.

O que tenho observado é que há uma adaptação do próprio organismo da mulher ao percentual de gordura mais baixo. Não falo de percentuais de gordura característicos de uma atleta em competição, isso será impraticável, falo sim de um percentual de gordura baixo mas saudável. E aquilo que outrora seria um estado "alarmante" para o corpo, agora é o seu normal. Nestas fases, a mulher está a comer bem, com variedade, o seu metabolismo está on fire e tudo funciona como é suposto. Mas para se chegar aí há um percurso a percorrer. Não se pode avaliar o estado físico da pessoa e associar aos seus hábitos/rotinas atuais, mas sim ao que foi feito para se chegar ali.

DOLETE: Então perder a menstruação é algo que vai sempre suceder sempre que faço dieta com o intuito de perder massa gorda?

Face ao que expliquei anteriormente, isto é muito variável. Alguns trabalhos científicos associam a amenorreia à restrição alimentar, em particular em atletas com dietas com baixo teor de gordura e restrição de hidratos de carbono, contudo a associação que estabelecem é fraca e cientificamente refutável. Assim, o processo de perda de massa gorda por si só pode não ser sinónimo de amenorreia. Tendo em conta este processo ser muito individual, a resposta que te dou é Não! Pode não acontecer. Se a redução da gordura corporal é essencial numa preparação para uma prova, há efetivamente várias estratégias que podem ser implementadas para tentar prevenir uma amenorreia, como por exemplo a inclusão de gorduras da dieta ou moderar a atividade cardiovascular. Como mencionado anteriormente, a taxa real de perda de massa corporal (massa magra + massa gorda) parece ser o fator determinante. Por isso, determinante é confiares na abordagem da equipa que te acompanha.

DOLETE: Então e posso ficar com sequelas por estar mais de 6 meses sem período?

A longo prazo, as irregularidades menstruais associam-se a vários efeitos negativos, sendo os principais a diminuição da mineralização óssea e/ou da fertilidade. E destes, o que efetivamente preocupa mais é o risco de osteoporose e por conseguinte maior propensão para fraturas de stress. Hoje sabe-se que nem mesmo um aumento da ingestão de cálcio pode compensar a baixa de mineralização óssea sendo, nestes casos mais graves, necessária uma avaliação médica para aferir qual o melhor tratamento.

DOLETE: Que suplementação pode ser usada para acelerar o processo de retorno da menstruação?

Mais do que falar em suplementação, o fundamental é garantir uma ingestão de nutrientes adequada às necessidades energéticas de acordo com o plano de treino. Também ao nível do treino, uma das estratégias com vista ao acelerar da regulação do ciclo menstrual passa por incluir períodos de menor intensidade. Garantindo esta base, então poderemos incluir suplementos alimentares que visem otimizar o balanço energético, por forma a que este seja mais favorável para a atleta, como por exemplos os hidratos de carbono de absorção rápida em particular no período peri-treino.




Texto desenvolvido por Tiago Gonçalves e Bruno Carreira.

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